— Isso é falta de educação, sabia?
— Desculpe, você está falando comigo?
— Claro que estou.
— Não entendi direito o q…
— Eu disse que isso é falta de educação.
— Okay, cara, você é estranho. Adeus.
— Espere!
— Sim?
— Você não pode ir embora depois de ser tão mal-educado.
— Ainda não faço ideia do que você está falando.
— Ora, do livro que está lendo!
— O quê?
— Argh! Você por acaso é lento ou algo que o valha?
— Olha, cara, não sei o que fiz para ofender você, mas isso está ficando meio bizarro.
— A culpa não é minha se você não…
— Como é que posso estar sendo mal-educado? Anda, me fala! Eu subi no ônibus e sentei nesse assento porque era o único vago. Tirei o livro da mochila e comecei a ler. Onde está a falta de educação nisso tudo?!
— Você não está mostrando a capa do livro para as pessoas.
— O quê?!
— Em que mundo você vive? Todos sabem que, para ler algo em público, é necessário deixar à mostra a capa da obra. Dessa forma, as pessoas que passam pelo leitor não precisam distender o pescoço tentando descobrir qual livro está sendo lido. Especialmente dentro de um ônibus.
— Isso é algum tipo de piada?
— Piada?! Ah, por favor, vai me dizer que nunca esteve numa situação inversa! Humph! Eu duvido muito.
— Vou embora…
— Espere!
— O que você quer, cara?!
— Você ainda não mostrou a capa do livro.
— Nem vou mostrar. Não a você, pelo menos.
— Está vendo? Você é o mestre da má-educação.
— Será que dá para me deixar em paz?!
— Certo, certo. É realmente impossível lidar com gente mal-educada.
— Você não perde uma chance, cara…
— Foi mal, é mais forte do que eu.
— É tão importante assim?
— Importante…?
— Saber qual livro estou lendo… ou que as outras pessoas estão lendo?
— Bem… não se trata de importância, sabe, mas de uma noção de etiqueta.
— Ah, vá! Você não está falando sér…
— Mais sério que isso, impossível.
— E se for algo particular? Um livro, digamos, que eu não queira que as outras pessoas saibam que eu estou lendo?
— A menos que seja algum tipo de biografia do Bolsonaro, você não tem permissão para ser mal-educado. É obrigado a mostrar…
— Sou obrigado?
— Socialmente, pelo menos. Quer dizer, é uma questão de etiqueta, sim, mas não do tipo usar os talheres certos para determinados tipos de comida. Está mais para uma convenção daquilo que é certo.
— Em outras palavras, devo satisfazer a curiosidade alheia, é isso?
— Quando você coloca desse jeito…
— E tem outro jeito para colocar?
— Pense comigo: quando você compra um tênis de marca, dessas que a gente sempre deseja, mas nunca precisa, você não sai por aí escondendo o símbolo desenhado no tênis para que os outros não vejam. Então, por que fazer isso com um livro?
— Simplesmente porque não é da conta dos outros.
— Seu argumento não é válido para a sociedade.
— Nossa, nem vou dormir hoje por causa disso…
— Ah, qual é? Sejamos razoáveis, sim? As pessoas têm um tato natural para a investigação de informações inúteis. Somos um paradoxo ambulante de mediocridade. Sabe o prazer que você tem quando tira água do joelho depois de ter passado vários minutos apertado procurando por um banheiro? É o mesmo tipo de prazer quando alguém descobre qual o livro está sendo lido por um total desconhecido. Não é uma informação que vai mudar nossa vida, tampouco fazer a gente ser uma pessoa melhor. Existe apenas a liberação instantânea de endorfina que produz uma descarga de felicidade pelo nosso corpo que dura só até o momento seguinte. Você, meu caro, está negando às pessoas uma felicidade efêmera. Se isso não é falta de educação…
— Você se ouve enquanto fala? Fez um discurso inteiro só para xeretar meu livro.
— E você percebe o quanto está gostando? Do contrário, teria mostrado o livro minutos atrás e acabado com toda nossa discussão no transporte público.
— Touché!
— E então?
— E então o quê?
— O livro!
— É Simon Vs. a Agenda Homo sapiens.
— Não acredito!
— Não acredita no quê?
— O livro é esse?
— Sim, o livro é esse!
— E por que não mostrou antes?
— Acho que já falamos sobre isso.
— Eu estou louco para ler esse livro. Na verdade, ele é o próximo da fila na minha TBR.
— Ahm… legal, eu acho…
— Está gostando?
— Estou. É melhor do que eu tinha antecipado.
— Que bom! Confio na sua opinião.
— Você é uma figura, cara, sério mesmo.
— Você é gay?
— O que te levou a perguntar isso?
— É um livro LGBT.
— Só por isso quem lê se torna automaticamente gay?
— Você é hétero?
— Não, eu sou gay, mas isso não refuta meu argumento.
— Touché!
— Ah, é minha parada. Vou descer.
— Espere!
— O que foi agora, cara?
— Você continua sendo mal-educado.
— O quê?! Eu acabei de mostrar a você a capa do livro.
— Eu sei, mas…
— Mas o quê?
— Bem… não está esquecendo de nada?
— Sei que não, mas acho que você vai me provar errado, não é mesmo?
— É uma noção de etiqueta, entende, você é…
— Obrigado socialmente, blábláblá… o que eu esqueci dessa vez?
— De me dar seu número de telefone.
Vlaxio
Hahahhahahhahah put*merd*…
Pior que quando alguém está lendo no ônibus eu me contorço toda para saber que livro é… Uma vez eu tentei ler no ônibus em pé, o cara do meu lafo ficou se contorcendo todo para vê qual era, depois de um tempo ele resolveu perguntar e eu estava com o livro na mão chacoalhando pra ele e apontando para a camisa ao mesmo tempo (que era com a estampa do livro na frente). Ainda trocamos uma idria para saber se era bom mesmo, e tudo mais. Cara simpático, mas não fazia meu tipo. E o livro era do James Patterson, ou seja, não era lá grandes coisas…
Beijos, adorei o diálogo!
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Todo leitor já se deparou com a curiosidade sobre o livro de outra pessoa. Na verdade, até gente que não lê costuma querer saber que livro os outros estão lendo. Deve ser um tipo de curiosidade universal…
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Nossa esse diálogo ocorre no 356 😆 foi muito longo, gostei me desespero não poder saber o nome do livro. Mas as vezes escondo pois a capa é imprópria vc sabe kkkk
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Algumas são impróprias mesmo. Mas, sabe como é, a menos que seja uma biografia do Bolsonaro, você é obrigada socialmente a mostrar, huehuehue. É uma noção de etiqueta, 😉
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Amei demais, ri muito, não tenho cara de pau o suficiente pra fazer isso mas é uma ótima ideia, além de criativa e interessante.
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Oi, Emily… A vida é curta demais para distender o pescoço todo dia no ônibus. Por isso a gente tem que ser cara de pau algumas vezes, rsrs…
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😂😂
Uma amiga minha reclama que tenho o péssimo costume de não mostrar a capa do livro na rua.
Morta com o “A menos que seja algum tipo de biografia do Bolsonaro, você não tem permissão para ser mal-educado. É obrigado a mostrar…”
😂😂😂
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